terça-feira, 9 de dezembro de 2008

EUTANÁSIA: DIREITO DE VIVER OU DE MORRER?

Recentemente a mídia foi tomada pela discussão da Eutanásia (gr. Eu–boa; Thanasi–morte = boa morte) em virtude do ocorrido com Terri Schiavo (1964-2005), cujo nome era Theresa Marie (Terri) Schindler, e que estava em processo de separação conjugal com seu marido, Michael Schiavo. Ela teve uma parada cardíaca em 1990 e permaneceu cinco minutos sem fluxo sanguíneo no cérebro. Isto provocou uma grande lesão cerebral, fazendo-a ficar em estado vegetativo. Após longa disputa familiar, judicial e política, envolvendo o marido e a família de Terri Shiavo, foi retirada a sonda que a alimentava e hidratava, vindo a falecer em 31/03/2005.

A situação provocou muitos debates, cada um dando sua opinião (direito de viver ou de morrer), e a verdade é que o tema já está sendo engavetado, até que outro fato semelhante ocupe o noticiário e “ressuscite” esse mesmo assunto. Na edição de maio do JE a temática foi objeto de debate e reflexão.

Naturalmente, o tema suscita discussões em diferentes áreas (histórica, jurídica, médica, psicológica etc), cada qual possuindo abordagem própria. Nossa atenção volta-se para o aspecto espiritual, que nos parece ser o mais importante já que todos as outras discussões são variáveis e transitórias, enquanto o enfoque espiritual, por ser universal, tem cunho absoluto.


Reflexões Espíritas sobre a Eutanásia



Apesar de o assunto ser ventilado em O Céu e O Inferno, Cap. V, ele foi mais diretamente enfocado em O Livro dos Espíritos e em O Evangelho Segundo o Espiritismo.

Em O Livro dos Espíritos:

Questão 953: Quando uma pessoa vê diante de si um fim inevitável e horrível, será culpada se abreviar de alguns instantes os seus sofrimentos, apressando voluntariamente sua morte?

É sempre culpado aquele que não aguarda o termo que Deus lhe marcou para a existência. E quem poderá estar certo de que, mau grado às aparências, esse termo tenha chegado; de que um socorro inesperado não venha no último momento?

a) - Concebe-se que, nas circunstâncias ordinárias, o suicídio seja condenável; mas, estamos figurando o caso em que a morte é inevitável e em que a vida só é encurtada de alguns instantes.

É sempre uma falta de resignação e de submissão à vontade do Criador.

b) - Quais, nesse caso, as conseqüências de tal ato?

Uma expiação proporcionada, como sempre, à gravidade da falta, de acordo com as circunstâncias.



Questão 957: Quais, em geral, com relação ao estado do Espírito, as conseqüências do suicídio?

Muito diversas são as conseqüências do suicídio. Não há penas determinadas e, em todos os casos, correspondem sempre às causas que o produziram. Há, porém, uma conseqüência a que o suicida não pode escapar; é o desapontamento. Mas, a sorte não é a mesma para todos; depende das circunstâncias. Alguns expiam a falta imediatamente, outros em nova existência, que será pior do que aquela cujo curso interromperam.”



Em O Evangelho Segundo o Espiritismo:

Cap. V, item 28: Um homem está agonizante, presa de cruéis sofrimentos. Sabe-se que seu estado é desesperador. Será lícito pouparem-se-lhe alguns instantes de angústias, apressando-se-lhe o fim?

Quem vos daria o direito de prejulgar os desígnios de Deus? Não pode ele conduzir o homem até à borda do fosso, para dai o retirar, a fim de fazê-lo voltar a si e alimentar idéias diversas das que tinha? Ainda que haja chegado ao último extremo um moribundo, ninguém pode afirmar com segurança que lhe haja soado a hora derradeira. A Ciência não se terá enganado nunca em suas previsões? Sei bem haver casos que se podem, com razão, considerar desesperadores; mas, se não há nenhuma esperança fundada de um regresso definitivo à vida e à saúde, existe a possibilidade, atestada por inúmeros exemplos, de o doente, no momento mesmo de exalar o último suspiro, reanimar-se e recobrar por alguns instantes as faculdades! Pois bem: essa hora de graça, que lhe é concedida, pode ser-lhe de grande importância. Desconheceis as reflexões que seu Espírito poderá fazer nas convulsões da agonia e quantos tormentos lhe pode poupar um relâmpago de arrependimento. O materialista, que apenas vê o corpo e em nenhuma conta tem a alma, é inapto a compreender essas coisas; o espírita, porém, que já sabe o que se passa no além-túmulo, conhece o valor de um último pensamento. Minorai os derradeiros sofrimentos, quanto o puderdes; mas, guardai-vos de abreviar a vida, ainda que de um minuto, porque esse minuto pode evitar muitas lágrimas no futuro. - S. Luís. (Paris, 1860.)



Portanto, seguindo os esclarecimentos constantes na Doutrina Espírita, topicamente a eutanásia não seria uma boa opção pelos seguintes motivos:

- age mal quem não se submete à vontade de Deus, demonstrada pelas circunstancias que a vida impõe;

- ninguém pode ter a certeza de estar num instante terminal pois a história tem muitos exemplos de pessoas que muito sofriam, até pedindo para morrer mas uma circunstância inesperada ocorreu e a pessoa se recuperou;

- aquele que opta extinguir a própria vida, comete suicídio, que é sempre um erro, com conseqüências variáveis e proporcionais ao estado de cada um e às circunstâncias;

- a ciência pode enganar-se em suas previsões;

- o que somente um espírita pode compreender (e não um materialista) é que o moribundo pode ter momentos últimos de reflexão que o poupará muito de tormentos futuros



Notícias Históricas



O tema Eutanásia é encontrado na Grécia antiga, com Sócrates (380-450 a.C.), Platão (428-347 a.C.) e Epicuro (342-270 a.C.), em geral defendendo tal prática para anciões e enfermos. Já Aristóteles (384-322 a.C.) e Pitágoras (582-497 a.C.), ao contrário, condenavam tal opção.

Hipócrates (460-355 a.C.), considerado o Pai da Medicina, em seu juramento declarou: "eu não darei qualquer droga fatal a uma pessoa, se me for solicitado, nem sugerirei o uso de qualquer uma deste tipo.

Na Índia os doentes incuráveis eram levados até a beira do rio Ganges, onde tinham as suas narinas e a boca obstruídas com o barro. Uma vez feito isto eram atirados ao rio para morrerem. Nos circos romanos, os gladiadores mortalmente feridos nos combates, poderiam ser agraciados com a compaixão real, dos Césares de Roma ordenando que os matassem. Ainda em Roma, os condenados à crucificação tomavam uma bebida que produzia um sono profundo, para que não sentissem as dores dos castigos e iam morrendo lentamente. Jesus (séc. I), durante os suplícios da crucificação, rejeitou beber vinagre e fel, chamado vinho da morte, que ele não quis tomar.

Encontramos a Eutanásia na Bíblia quando Jô, o patriarca da paciência, acometido das maiores desgraças, coberto da cabeça aos pés por repelente chaga, em agonia física e moral, chamou sua mulher de tola quando esta lhe insinuara ser melhor suicidar-se para encurtar os padecimentos. Outro exemplo bíblico encontramos na morte do Rei Saul, de Israel, que, ferido na batalha, e a fim de não cair prisioneiro, lançara-se sobre a sua espada, e já ferido pedira a um amalecita que lhe tirasse a vida. Teria sido a primeira eutanásia da história.

Na Idade Média, dava-se aos guerreiros feridos um punhal afiadíssimo, chamado misericórdia, que lhes servia para evitar o sofrimento e a desonra.

No Museu Nacional de Estocolmo há um modelo de machado nas mãos de um filho golpeando a cabeça do pai quando este completava setenta anos.

Napoleão Bonaparte (1746-1836), na campanha do Egito, pediu ao médico, que matasse os soldados atacados pela peste, tendo o cirurgião respondido que o médico não mata pois sua função era curar.

Na Alemanha nazista, a pretexto de depuração da raça, tivemos a eliminação de milhões de judeus, passando à história como um dos grandes crimes da humanidade.

Seu apogeu ocorreu em 1895, na Prússia, durante a discussão do seu plano nacional de saúde, foi proposto que o Estado deveria prover os meios para a realização de eutanásia em pessoas que se tornaram incompetentes para solicitá-la.

Durante as décadas de 20 e 40, no século XX, no Brasil, na Faculdade de Medicina da Bahia, Rio de Janeiro e São Paulo, inúmeras teses foram desenvolvidas neste assunto entre 1914 e 1935. Na Europa, especialmente, muito se falou de eutanásia associando-a com eugenia. Esta proposta buscava justificar a eliminação de deficientes, pacientes terminais e portadores de doenças consideradas indesejáveis.

Na Inglaterra, em 1931, propuseram a Legalização da Eutanásia Voluntária, que foi rejeitada em 1936 pela Câmara dos Lordes. Em 1934, O Uruguai incluiu a possibilidade da eutanásia no seu Código Penal, através da possibilidade do “homicídio piedoso”. Esta legislação uruguaia possivelmente seja a primeira regulamentação nacional sobre o tema. Vale salientar que esta legislação continua em vigor até o presente.

Em 1981, a Corte de Rotterdam estabeleceu critérios para o auxílio à morte.

Os Territórios do Norte da Austrália, em 1996, aprovaram uma lei que possibilita formalmente a eutanásia. No Brasil existe um projeto de lei no Senado federal (projeto de lei 125/96) sobre este assunto.



Fonte: Jornal Espírita, No. 358, Ano XXVIII, pág. 3, junho 2005.

Washington Luiz Nogueira Fernandes – SP

washingtonfernandes@terra.com.br

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